A armadilha do PJe

A armadilha do PJe

A ARMADILHA DO PJE

Há muito lidamos com o viés político na aplicação da legislação processual, em que não basta conhecermos o Código de Processo Civil, mas também o que vulgarmente se designou como “jurisprudência defensiva”.

Não tratarei aqui especificamente sobre esse tema, que tem espaço para monografias, senão sobre como o aspecto eminentemente político, usado a princípio pela atividade judicante para simplificar a análise das questões submetidas à sua apreciação e para atribuir aos advogados maiores atribuições, está se imiscuindo na própria legislação e, via de consequência, dificultando ainda mais a defesa dos direitos dos jurisdicionados.[1]

Sucede que desde 2006, com o advento da Lei nº 11.419, que normatizou a informatização do processo judicial, vigora um dispositivo de lei federal o qual nunca demos conta sobre a sua temeridade/inconstitucionalidade.

Por essa lei, os Tribunais, além de poderem criar os diários de justiça eletrônicos (e-diários) para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral, estão autorizados a criarem portais eletrônicos autônomos de intimação.

É saber: sendo o processo físico ou eletrônico, as intimações poderão ser feitas no e-diário, um meio oficial, transparente e público dos atos processuais, que pode ser consultado por qualquer cidadão; sendo adotado um sistema de processo eletrônico com a ferramenta de intimação própria, esta será feita somente naquela plataforma, vinculada ao login do usuário e sem divulgação pública.

De uma ou de outra forma, apesar do inconveniente de lidarmos com sistemas distintos de processos eletrônicos, nunca houvemos grandes problemas, porque, às intimações feitas nos diários oficiais, os Conselhos Estaduais da OAB e outras entidades adotam ferramentas de busca pelo nome do advogado, de modo que somos comunicados por e-mail, e, às intimações feitas no portal próprio, estes sistemas também nos comunicam, via de regra, por e-mail sobre a intimação dirigida, para que façamos a leitura no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de ser considerada como “intimação automática”.[2]

A questão é que alguns portais próprios de intimação não mais remetem e-mails ao advogado informando sobre a existência do ato, o que passou a exigir que entremos diariamente em cada sistema para pesquisar a existência de intimações. E o fazem amparados no § 4º do art. 5º da referida lei, até então tido como “letra morta”, cujos termos reproduzimos: “Em caráter informativo, poderá ser efetivada remessa de correspondência eletrônica, comunicando o envio da intimação e a abertura automática do prazo processual nos termos do § 3º deste artigo, aos que manifestarem interesse por esse serviço“.

É como se uma intimação, cuja própria etimologia remete à ciência/comunicação da pessoa intimada, fosse legitimamente feita tão somente pela sua inclusão num sistema eletrônico, sem que nenhuma notificação de fato fosse feita ao destinatário. E a comunicação por e-mail, este sim ligado à ideia de correio, fosse uma mera faculdade do Poder Judiciário, que estaria apenas colaborando com o usuário, caso o fizesse.

Se houvesse um sistema processual único para todo o Poder Judiciário, até se poderia cogitar na legitimidade dessa norma, mas todos sabemos que essa não é a realidade.

O Poder Judiciário do Espírito Santo, efetivando a Resolução nº 185/13 do CNJ, vem editando diversas normas a fim de implementar o Processo Judicial Eletrônico (PJe) no âmbito de toda a sua jurisdição estadual.

Apesar de o PJe ser comumente conhecido, ele é um software que apresenta implementações diversas, a partir do que desejar cada órgão judicante.

Nesse passo, no âmbito do Tribunal Capixaba, o PJe foi implementado com a ferramenta de intimação própria, que intima o advogado numa “caixa de intimações”, que fica armazenada por apenas 10 (dez) dias. Se o usuário deixar de consultar o ato neste prazo, sequer é possível verificar o histórico das intimações. E, embora o cadastro do advogado seja feito com a vinculação obrigatória de um e-mail, as intimações não são sequer comunicadas da sua existência por essa via.

Isso faz com que o advogado tenha que entrar no sistema dia-a-dia para verificar se foi intimado, sob pena de “cair nas graças” da faceta política da perda das faculdades processuais — leia-se perda de um direito de se manifestar a fim de influenciar no julgamento.

Não bastasse isso, ao assinar o cadastro no PJe, você anui com o uso do sistema, como forma exclusiva de comunicação e de prática dos processuais, o que também lhe dá ciência ficta de todo processo que é ajuizado ou interposto em face da parte patrocinada.

Um leitor não familiarizado com a seara jurídica pode estar se perguntando: nossa, mas você trabalha com isso, basta que entre no sistema todo dia pela manhã. É verdade, mas você há de convir que é bastante inoportuno, principalmente quando só no TJ/ES existem um sistema de PJe para o 1º Grau e outro para o 2º Grau, exigindo que se façam 2 procedimentos burocráticos desnecessários. Se o advogado possuir processos em outros Tribunais, serão tantos logins necessários quantos distintos forem os órgãos.

A solução dada pelos técnicos do setor de Tecnologia da Informação é ululante: “Doutor, basta que inclua os processos no push“.

Como é sabido, esta ferramenta gera comunicações via e-mail por cada ato ocorrido no processo.

Na Era da globalização e da dinamicidade das informações, buscamos otimizar nosso tempo, de maneira que não é salutável sermos “floodados” na caixa de e-mail para todo e qualquer ato ocorrido no processo, como uma mera juntada de certidão requerida pela outra parte, remessa de ofício, modificação de escaninho, etc.

Bastava que os portais próprios de intimação continuassem a remeter um simples e-mail a cada intimação, para que de fato o usuário tomasse ciência da existência da intimação, tal como ocorre nos diversos “Projudis”.

Lamentável.

Vitória/ES, 12 de junho de 2020.

Renan Pandolfi Ricaldi.


[1] Para exercermos o jus postulandi, devemos pesquisar à exaustão a existência de todas normas internas dos diversos órgãos judiciais a fim de que nossas petições ou recursos sejam conhecidos, como os Atos Normativos nº 8 e 9 de 2009 do TJ/RJ, que exigem a indicação do número da guia de custas, em negrito, no campo superior direito da petição, ou as Resoluções nº 14 e 15 de 2011 do TJ/PR, que estabelecem o cadastramento e a impressão do “termo de pré-cadastro eletrônico” para encaminhamento dos agravos de instrumento e mandados de segurança.

[2] A exemplo do sistema Projudi.

 

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