Recuperação Judicial: uma possível solução
Em tempo de crise, consternação não pode virar inoperância.
Em 2015, o Produto Interno Bruto (PIB) decresceu 3,8% em relação a 2014.[1] Para este ano, os economistas apontam a continuidade da recessão. Dados da Serasa Experian[2] demonstram ainda que no ano passado o número de empresas que tiveram falência decretada foi de 829, o que representa um acréscimo de 12% se comparado à quantidade ocorrida em 2014.[3]
Não fosse somente a crise econômica, para agravar mais ainda o atual cenário, já se pode afirmar que o país enfrenta uma das mais significativas crises políticas da história.
Diante disso, o que esperar? O que fazer? É preciso, pois, agir. E se há de fazê-lo de forma tempestiva e proficiente.
Dentre as possibilidades de ações e mudanças para se preservar a empresa, há onze anos surgiu no arcabouço jurídico brasileiro o instituto da Recuperação Judicial, implementado pela Lei nº 11.101/2005 (LREF). A maioria das pessoas já ouviu falar sobre a Recuperação, porém boa parte não a compreende com devida exatidão. A primeira questão que causa repulsa ao interlocutor ao ouvir a expressão é associá-la à falência, como se fosse uma empresa “pré-falida”. É bem verdade que a Recuperação Judicial integra o ramo do Direito Falimentar, no entanto a carga semântica pejorativa vinculada à falência deve estar dissociada da Recuperação. Portanto, é preciso desmistificar o instituto.
A associação equivocada se dá principalmente porque antes da Recuperação Judicial vigorava a Concordata, regime que entrou em desuso antes mesmo da sua revogação, por ser muito rígido na legislação quanto às medidas de superação da crise e não permitir a participação ativa dos credores.
Para atender as novas realidades do final do século XX e início do século XXI, foi promulgada a LREF, introduzindo no ordenamento a Recuperação Judicial. A medida é um verdadeiro compromisso que a empresa firma perante o judiciário, para suspender temporariamente algumas obrigações e poder apresentar um plano de reestruturação. Dessa forma, ela privilegia a função social da empresa, que ativamente é muito mais benéfica do que falida, na medida em que gera de renda, empregos, salários, negócios e tributos. E isso, naturalmente, sob o crivo dos credores, que têm soberania para definir sobre a concessão do benefício, e também do Ministério Público, na condição de fiscal da lei.
Desse modo, a empresa em crise que busque a superação pela Recuperação Judicial deve, inicialmente, observar as vedações legais, dentre as quais se destacam estar em atividade regular há mais de 2 (dois) anos e não ter o seu sócio/administrador sido condenado em crime falimentar. Estando apta, ela deverá apresentar uma série de informações e documentos no processo, em especial as causas concretas da sua situação patrimonial, as demonstrações contábeis dos 3 (três) últimos exercícios sociais, a relação nominal completa dos credores e dos empregados, e uma série de certidões. Atendidos os requisitos, o juiz deferirá o processamento da Recuperação Judicial, nomeando um Administrador Judicial, que é um profissional encarregado para fiscalizar o processo, comunicando a Recuperação aos órgãos competentes, e determinando a suspensão das ações e execuções contra o devedor pelo período de 6 (seis) meses.
Logo, destaca-se que o benefício imediato da empresa é que a dita suspensão representa a garantia mínima de fôlego à “recuperanda” ao se obstarem as dívidas anteriores ao pedido da Recuperação Judicial, porquanto a entidade fica blindada de serem realizados atos expropriatórios e pode equalizar o seu fluxo de caixa. Mas não é só, à empresa possibilita-se ainda realizar operações societárias com muito mais celeridade, de acordo com as suas especificidades, e sob o aval do Estado-juiz. Além disso, pode-se resguardá-la, a depender dos casos, de costumeiras práticas abusivas de cobrança de instituições financeiras.
Ato contínuo, a recuperanda deverá apresentar um Plano de Recuperação Judicial no prazo de 60 dias. Esse Plano é o instrumento fundamental da sua Recuperação, pelo qual a empresa deverá expor todos os fatos que envolvem o seu negócio, as políticas a serem implementadas para superação e a possível forma de pagamento aos credores.
Paralelamente, ressalta-se que a LREF determina a publicação de editais com a relação dos credores, abrindo-se, em duas etapas, a possibilidade de se habilitar ou discutir a legitimidade, importância e classificação dos créditos.
Apresentado o Plano, é publicado um edital com aviso aos credores para que possam aceitá-lo tacitamente ou objetá-lo. Havendo objeção, instalar-se-á a Assembleia Geral de Credores (AGC) para se deliberar a sua aprovação segundo o quórum previsto em Lei. Não sendo o Plano objetado, ou, o sendo, seja posteriormente aprovado na AGC, o juiz concederá a Recuperação, seguindo-se as suas disposições para cumprimento. Ressalva-se que a aprovação do Plano opera a novação das dívidas, como se nova obrigação jurídica fosse estabelecida entre devedor e credor, e o processo se encerra 2 anos após a sua homologação. Se o Plano não for apresentado, ou for rejeitado na AGC, decreta-se a falência da empresa.
São essas, de forma resumida, as questões fundamentais da Recuperação Judicial que a tornam importante recurso à empresa em dificuldades que busca o reequilíbrio econômico-financeiro. E aquele que recorre ao Beneplácito Legal não deve ser compreendido como em estado pré-falimentar, nem de insolvência. Ao contrário, a empresa firma um verdadeiro compromisso jurídico-social.
[1] Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em 26/04/2016.
[2] Disponível em: < http://noticias.serasaexperian.com.br/indicadores-economicos/falencias-e-recuperacoes/>. Acesso em 26/04/2016.
[3] Os dados só consideram as empresas que tiveram contra si uma decisão judicial de falência, desprezando então as que estão falidas de fato, mas sem processo ou sentença, bem como aquelas que encerram as atividades na informalidade.
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